Enquanto filmes “entram e saem da NETFLIX”, a gramática normativa permanece em segundo plano nas manchetes de jornal. Leia este artigo e garanta sua pontuação na sua próxima redação (ou a formalidade na escrita do seu próximo post).
PARALELISMO SINTÁTICO
Paralelo, análogo, semelhante. Um dos princípios muitas vezes esquecido pela linguagem cotidiana é o paralelismo sintático nas estruturas. Esse paralelismo sintático parte da seguinte ideia: você pode, formalmente, escolher a opção linguística que mais lhe convier, desde que mantenha a sua escolha.
Veja este trecho da música “Me liga”, de Herbert Viana:
Quem sabe um dia eu vou te ter ao meu alcance
Ai como ia ser bom se você deixasse
Se você lembrar, se quiser jogar
Me liga, me liga
Na oralidade, comumente quebramos o paralelismo sintático das estruturas, não nos preocupando com a uniformidade de tratamento. Na prática, você pode, em um texto, tratar o seu interlocutor por “tu” ou por “você”, desde que mantenha a mesma forma no decorrer do discurso.
Perceba que a opção do tratamento por “você”, no segundo e no terceiro verso, entra em conflito com o uso do pronome “te”, no primeiro verso, e do imperativo “liga”, que é a forma do verbo no tratamento por “tu” (tratando o interlocutor por você, a forma seria “ligue” – assunto para o próximo post).
Sendo assim, foi quebrada a uniformidade de tratamento, um dos aspectos do paralelismo sintático.
SIGNIFICA QUE O AUTOR É BURRO?
Claro que não! Música, tirinhas, charges, peças publicitárias e outros textos que visam a um contato mais próximo do público costumeiramente fogem a alguns detalhes da gramática normativa, justamente para criar a familiaridade com o público-alvo. Afinal, não teria o mesmo efeito caso Herbert Vianna escrevesse:
Quem sabe um dia eu a terei ao meu alcance
Ai como seria bom se você deixasse
Se você lembrar, se quiser jogar
Ligue-me, ligue-me.
Ou que tal...
Quem sabe um dia eu te terei ao meu alcance
Ai como seria bom se tu deixasses
Se tu lembrares, se quiseres jogar
Liga-me, liga-me
Talvez acontecesse algo semelhante a este vídeo:
E o que dizer da Marina Lima, que já mandou um “Eu te amo você”?
Em breve falaremos mais sobre o que realmente é a variação linguística e sobre como é possível trabalhar com ela sem descuidar do estudo da normativa – não é um “tudo ou nada”, como dizem por aí. Continue acompanhando os posts!
Por enquanto, vamos voltar ao Paralelismo.
Além da uniformidade de tratamento, um outro aspecto importante do Paralelismo Sintático é a preocupação com a Regência Verbal.
Leia esta manchete do jornal online Metrô, publicada no final de 2017:
Saiba quais filmes e séries entram e saem da Netflix em dezembro
https://www.metrojornal.com.br/cultura/2017/11/30/filmes-series-entram-saem-netflix-dezembro.html
À primeira vista, essa manchete parece “gramaticalmente inofensiva”, ou ao menos não traz nada que logo chame a atenção, como um “É nóis fazer parapápá” ou um “Beija eu”.
Mas vamos analisar a regência dos verbos:
Entrar EM algum lugar
Sair DE algum lugar
Perceba que, nessa manchete, temos verbos de regências diferentes, ou seja, verbos que pedem preposições diferentes. O verbo “sair” está com a preposição dele (“saem da Netflix”), mas cadê a preposição “em”, pedida pelo verbo “entrar”?
Pois é, se misturarmos em uma sequência, com um mesmo complemento, verbos de regências diferentes, iremos quebrar o Paralelismo Sintático da sentença, já que só conseguiremos respeitar a preposição do último verbo.
ESQUEÇA E LIVRE-SE DO PASSADO
Já percebeu o problema da sentença acima? O verbo “esquecer”, na forma como aparece, não pede preposição, já o “livrar-se” precisa da preposição “de”, corretamente utilizada. Precisamos dar um complemento sem preposição para o primeiro verbo:
ESQUEÇA O PASSADO E LIVRE-SE DELE!
E, na sentença anterior:
SAIBA QUAIS FILMES E SÉRIES ENTRAM NA NETFLIX E QUAIS SAEM DELA EM DEZEMBRO.
Há algum tempo, o UOL esportes nos trouxe a seguinte manchete:
Ao dar a mesma notícia, o Jornal Correio do Estado resolveu o problema gramatical:
EMPOLGADO COM UFC RIO, DANA PREVÊ ESCRITÓRIO NO BRASIL E EVENTO ATÉ NA ROCINHA.
Qual o problema gramatical da primeira sentença? Paralelismo Sintático! Em um texto formal, se tivermos dois complementos para um mesmo verbo, eles devem ser de mesma natureza (ou dois verbos ou dois substantivos).
Presidente prevê ABRIR escritório do Brasil e EVENTO na Rocinha.
Como vimos, podemos escolher por usar complementos verbais ou substantivais, desde que façamos sempre a mesma escolha no decorrer da sentença.
Presidente prevê ABRIR escritório do Brasil e REALIZAR evento na Rocinha. (Dois verbos)
Presidente prevê ABERTURA de escritório do Brasil e EVENTO na Rocinha. (Dois substantivos)
Ou, simplesmente, fazer como o segundo jornal fez.
Bem, esses são alguns casos importantes em relação ao Paralelismo Sintático. Temos também o Paralelismo Semântico, que vai se preocupar com a concordância da ideia na sentença. Mas isso é assunto para um próximo post...
Espero ter deixado claro! Continue sempre por aqui! Ah, e estou esperando por você no Youtube, no Instagram, no Face... se você está comigo, não aceito menos do que ver você gabaritar a sua próxima Prova de Português!
Grande abraço e bons estudos!
Caco Penna