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Montando palavras: os sufixos e seus sentidos


Quando falamos em Formação de Palavras, será que podemos determinar previamente o seu sentido, sem considerar o contexto de sua produção? E como um concurso ou um vestibular podem cobrar essa percepção? Leia este artigo e conheça um pouco mais sobre os afixos e seus sentidos.

Pensando nos casos de derivação, lembramos que, muitas vezes, o sentido de um afixo (prefixos ou sufixos) nem sempre deve ser levado “ao pé da letra”.

Quem não se lembra, por exemplo, do escândalo político do “mensalão”? Pois bem, a palavra ‘Mensalão’ reflete um processo de formação de palavras muito comum na língua portuguesa: o uso do sufixo ‘-ão’ não como indicador de aumentativo, e sim como meio de afetividade, exaltação de alguma qualidade, ou, até mesmo, ironia.

Dessa forma, um “amigão” não é necessariamente um amigo de 1,97m, e sim um “bom amigo”. A referência no aumentativo traz proximidade entre o falante e o referente, ao exaltar as características deste. Esta forma é muito comum na língua oral brasileira: afirmar que determinado goleiro é um “grande goleiro” não demonstra uma proximidade tão grande quanto chamá-lo de “goleirão”; assim como um “bom livro” não mexeu tanto com o leitor quanto um “livrão”.

E essa mesma característica aproximativa do brasileiro é refletida na criação do vocábulo ‘mensalão’; desta vez, não com sentido de proximidade afetiva, mas sim como uma maneira de ironizar toda a situação política, já desgastada aos olhos da população.

O sufixo ‘-inho’ também assume suas diferenças de sentido. Clarice Lispector, em “Viagem a Petrópolis”, ao descrever a personagem como "uma velha sequinha que, doce e obstinada (...)”, certamente alcançou um efeito de sentido diferente do que se a classificasse simplesmente como uma “velha seca”.

Por outro lado, o mesmo diminutivo pode assumir o significado oposto se considerado dentro de outro contexto. Veja as situações abaixo:

“Bom, agora vou ler o meu jornalzinho...”

“O quê? Você lê este jornalzinho?”

Em nenhum destes contextos o sufixo indica um diminutivo físico, e sim mudanças de sentido na significação da palavra. Observe que o mesmo processo de derivação (acréscimo do sufixo ‘-inho’ à palavra primitiva ‘jornal’) gerou significados completamente opostos (afetividade e desprezo).

E o mesmo sufixo pode, também, representar ironia: “Olha só este jornalzinho, tem 56 cadernos!”.

Há alguns anos, a FUVEST perguntou, na segunda fase de Língua Portuguesa, a respeito do uso do sufixo ‘-ismo’ na palavra ‘gerundismo’. Muito além do decorar listas de sufixos, era necessário que o aluno se atentasse à significação deste morfema dentro do seu contexto. No vocábulo citado, o sufixo carrega não só o seu sentido de “uso excessivo”, como traz uma carga pejorativa, de crítica a esse uso. Esta mesma significação pode ser vista, por exemplo, em ‘alcoolismo’.

Perceba a diferença entre o ‘-ismo’ nessas palavras acima e o ‘-ismo’ em palavras como ‘classicismo’, ‘marxismo’ e ‘cristianismo’ (indicando doutrinas ou sistemas artísticos, filosóficos ou políticos), ‘galicismo’ e ‘estrangeirismo’ (indicando origens vocabulares), ou mesmo ‘sonambulismo’ (indicando doenças).

Falando ainda de provas da FUVEST, observe essa questão feita pela banca:

A gente via Brejeirinha: primeiro, os cabelos, compridos, lisos, louro-cobre; e, no meio deles, coisicas diminutas: a carinha não-comprida, o perfilzinho agudo, um narizinho que-carícia. Aos tantos, não parava, andorinhava, espiava agora – o xixixi e o empapar-se da paisagem – as pestanas til-til. Porém, disse-se-dizia ela, pouco se vê, pelos entrefios: – "Tanto chove, que me gela!"

(Guimarães Rosa, "Partida do audaz navegante", Primeiras estórias)

a) Os diminutivos com que o narrador caracteriza a personagem traduzem também sua atitude em relação a ela. Identifique essa atitude, explicando-a brevemente.

Para você que leu este artigo até aqui, não é difícil perceber o que o examinador queria, não é? Além de detectar o processo de derivação sufixal, era necessário perceber, aqui, o sufixo ‘-inho’ indicando afetividade, como já comentamos antes.

Quer mais uma da FUVEST? Vamos lá:

Eu te amo

Ah, se já perdemos a noção da hora,

Se juntos já jogamos tudo fora,

Me conta agora como hei de partir...

Se, ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios,

Rompi com o mundo, queimei meus navios,

Me diz pra onde é que inda posso ir...

(...)

O prefixo assinalado em ‘desvario’ expressa:

a) negação. b) cessação. c) ação contrária. d) separação. e) intensificação.

Antes de respondermos à questão, vejamos a diferença do prefixo ‘des-’ em vocábulos como ‘desvario’ e ‘desacelerar’ ou ‘desalmado’.

Em ‘desacelerar’, temos algo como “processo contrário”, bem próximo da negação em ‘desalmado’. Agora, uma louca “desvairada” é uma louca que não é louca? Opa, parece-nos que este ‘des-’ não está indicando negação...

Assim como uma louca desvairada é uma louca que comete loucuras excessivas, o eu-lírico da canção apresentada, ao cometer “desvarios”, cometeu ações de insanidade extrema. Com isso, chegamos à alternativa E! (Claro que, para capturar o vestibulando distraído, a FUVEST colocou “negação” logo na alternativa A. Mas não seja precipitado, leia sempre todas as alternativas!)

E o sufixo ‘-ada’? Seria bem difícil conseguirmos esgotar a lista de possibilidades! Vejamos:

Chinelada, goiabada, garotada, chuvarada, chegada.

Em cinco palavras, podemos perceber facilmente cinco significações diferentes para este sufixo. Podemos dizer, respectivamente: ‘instrumento de ação’, ‘produto derivado’, ‘conjunto de’, ‘intensidade’ e ‘resultado de ação’. E fique à vontade para pensar outras palavras e descobrir ainda mais significações para este mesmo sufixo!

Vale sempre lembrar que, assim como nem sempre o mesmo afixo nos passa a mesma informação, nem sempre a mesma informação é passada pelo mesmo afixo. Se observarmos as palavras ‘desalmado’, ‘anucleada’ e ‘infiel’, podemos perceber três prefixos diferentes indicando negação. Sem problemas!

O português, sendo uma língua viva, reflete os traços culturais e sociais de seus falantes. Portanto, quando estivermos analisando os processos de formações de palavras, devemos levar em consideração o efeito de sentido que se quis alcançar, e não somente considerar os afixos em seu sentido denotativo. Ou será que aquele “feijãozinho” da sua avó é feito com mini-grãos?

Espero ter deixado claro! Continue sempre por aqui! Ah, e estou esperando por você no Youtube, no Instagram, no Face... se você está comigo, não aceito menos do que ver você gabaritar a sua próxima Prova de Português!

Grande abraço e bons estudos!

Caco Penna

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