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Pressupostos e Subentendidos: a comunicação além da palavra


Hoje ouvi, pela primeira vez, uma cantora chamada Letícia Leal, falando sobre “as verdades que eu pressuponho”. Não pude deixar de confrontá-la com Lulu Santos e seu “deixo assim ficar subentendido”. Pressuposto ou subentendido? Qual a diferença entre esses dois conceitos e por que eles são indispensáveis na análise textual? Como eles são utilizados em discursos políticos e editoriais de jornal? É só ler este artigo e descobrir!

PRESSUPOSTO OU SUBENTENDIDO?

Em qualquer situação de comunicação, trabalhamos com ideias pressupostas e subentendidas, mas como fazemos para identificá-las e diferenciá-las? Vamos começar pelas ideias pressupostas:

OS PRESSUPOSTOS

Diremos que uma ideia está pressuposta em uma determinada afirmação se ela estiver presente nos seguintes “testes”:

Calma, tenho certeza de que com alguns exemplos você vai entender bem! Vamos ver duas manchetes do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO do dia 19/02/2018:

ATOS CONTRA REFORMA TRABALHISTA FECHAM DUTRA E TERMINAIS DE ÔNIBUS

KATE MIDDLETON NÃO ADERE AOS PROTESTOS NO BAFTA

Essas manchetes, cada uma em sua área, trazem uma afirmação, uma novidade, uma informação, a que chamaremos aqui de “declaração”. Porém, para que essas declarações sejam verdadeiras e tenham qualquer validade no ato comunicacional, é necessário que a ideia pressuposta também seja válida. Vejamos:

ATOS CONTRA REFORMA TRABALHISTA FECHAM DUTRA E TERMINAIS DE ÔNIBUS

Pressuposto: houve atos contra a reforma trabalhista

Perceba que a declaração de que tais atos fecharam a Dutra e alguns terminais de ônibus só é válida se aceitarmos que os atos efetivamente ocorreram. Seria bem diferente caso a intenção da manchete fosse informar a ocorrência dos atos e não as suas consequências.

Como isso se enquadra no primeiro esquema que lhe apresentei? Para “testarmos” se estamos realmente com uma ideia pressuposta, podemos, quando possível, negar a declaração ou mesmo questioná-la, e a ideia pressuposta continuará tendo de ser previamente aceita:

ATOS CONTRA A REFORMA TRABALHISTA NÃO FECHAM DUTRA E TERMINAIS DE ÔNIBUS.

Pressuposto: houve atos contra a reforma trabalhista.

OS ATOS CONTRA REFORMA TRABALHISTA FECHARAM DUTRA E TERMINAIS DE ÔNIBUS?

Pressuposto: houve atos contra a reforma trabalhista.

O que podemos, então, ter como pressuposto na segunda manchete que lhe apresentei?

KATE MIDDLETON NÃO ADERE AOS PROTESTOS NO BAFTA

Pressuposto: houve protestos no BAFTA

Faça os testes:

KATE MIDDLETON ADERE AOS PROTESTOS NO BAFTA

Pressuposto: houve protestos no BAFTA

KATE MIDDLETON ADERIU AOS PROTESTOS NO BAFTA?

Pressuposto: houve protestos no BAFTA

Só é possível aceitar a afirmação da manchete se aceitarmos previamente que os protestos realmente ocorreram. Está pressuposto: caso não tivesse ocorrido nenhum protesto no BAFTA, a declaração sobre a adesão ou não de Kate Middleton a eles seria inválida.

No mesmo dia, esse mesmo jornal publicou a seguinte manchete:

CORINTHIANS OFICIALIZA CONTRATAÇÃO DE MARLLON

Será que podemos tomar como pressuposto que “Corinthians contratou Marllon”? Vamos aos testes:

CORINTHIANS NÃO OFICIALIZA CONTRATAÇÃO DE MARLLON

A contratação pode ter ocorrido (mas não foi oficializada), ou pode não ter ocorrido.

CORINTHIANS OFICIALIZA CONTRATAÇÃO DE MARLLON?

A resposta pode ser “sim” ou “não”, sendo que, em caso negativo, a própria contratação pode não ter ocorrido.

Veja que a manchete acarreta que Corinthians contratou Marllon. Acarreta, mas não pressupõe, quer dizer, dá-nos essa informação como necessária para a declaração ser válida (a oficialização só foi possível porque a contratação de fato ocorreu), mas a ideia não é pressuposta. Sendo mais objetivo: a informação da contratação “vem junto” com a declaração, não precisa ser “aceita previamente”.

E NOS TEXTOS ARGUMENTATIVOS?

Textos argumentativos, como discursos políticos e editoriais, costumam desenvolver sua retórica a partir de pressupostos “inquestionáveis”. Vejamos alguns exemplos:

“Não há ´plano B´ de 15 medidas, nem inflação e juros em baixa que consigam atenuar o impacto negativo que a não aprovação da reforma da Previdência terá sobre os cofres públicos.”

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/rebaixados-mais-uma-vez-d08l67350kms6ojfn8je01qbt

A declaração, alvo da argumentação do editorial, é a de que “não há como atenuar os impactos negativos da reforma da Previdência sobre os cofres públicos”. Todo o editorial, portanto, só é valido se aceitarmos a ideia pressuposta de que “a aprovação da reforma da Previdência terá impacto negativo sobre os cofres públicos”.

Ao colocar o foco da discussão sobre se há como atenuar ou não os impactos, o autor não abre margem para o questionamento sobre se esses impactos negativos são reais ou não. Isso é tratado como pressuposto.

Vamos lá, veja qual a ideia pressuposta no seguinte editorial:

“Enquanto nossas prisões não puderem oferecer condições dignas para as gestantes e mães em prisão preventiva, o interesse e os direitos da criança justificam o benefício da prisão domiciliar.”

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/as-detentas-e-seus-bebes-8im9icqxadi7x96ph2a4ghr49

Todo o editorial será desenvolvido com base na inquestionabilidade da afirmação de que “nossas prisões não oferecem condições dignas para as gestantes e mães em prisão preventiva”. Isso nem entra na discussão, é (ou deve ser para que a comunicação tenha sucesso) previamente aceito pelo leitor, pois o é para o autor, ou seja, está pressuposto!

GERADORES DE PRESSUPOSTOS

Como disse inicialmente, não é sempre que conseguimos trabalhar com as afirmações em suas formas negativas e interrogativas para detectar os pressupostos, por isso é importante, além de conhecer as maneiras de “testar” as sentenças, entender bem o que é uma ideia pressuposta.

Vejamos alguns exemplos de palavras que indicam pressuposições na declaração:

Alguns verbos como “continuar X”, “permanecer X” ou expressões declarativas como “saiba que X”, “entenda que X”, “não se esqueça de que X”... em que a ideia de X deverá ser sempre previamente aceita – pressuposta – para que a declaração seja válida:

Baby, compra o jornal E vem ver o sol Ele continua a brilhar Apesar de tanta barbaridade

(Roberto Frejat)

A declaração de que “o sol continua a brilhar” só é válida caso aceitemos o pressuposto de que “o sol estava brilhando”.

Imagine o seguinte diálogo:

- Você continua atendendo na avenida Paulista?

- Eu nunca atendi na avenida Paulista...

Pronto! A pergunta inicial foi completamente invalidada, porque partiu de um pressuposto falso.

Quando você voltar

Tranque o portão

Feche as janelas

Apague a luz

E saiba que te amo

(Renato Russo)

A declaração para “você saber que eu te amo” só é válida se partirmos do pressuposto de que “eu te amo”. Veja a diferença entre as duas declarações abaixo:

- A Terra é redonda.

- É importante você saber que a Terra é redonda.

Na primeira, a declaração, a informação a ser dada, é que a Terra é redonda. Na segunda, a Terra ser redonda é o fato pressuposto, e a declaração recai sobre a importância de você saber disso.

Alguns advérbios como “só”, “até” e “ainda” também são ótimos disparadores de pressupostos:

Que ninguém se engane, se consegue a simplicidade através de muito trabalho.

(Clarice Lispector)

Temos aqui o pressuposto de que “consegue-se a simplicidade através de muito trabalho”. A declaração é que essa é a única forma, sendo, porém, inquestionável para a sentença que dessa forma se consegue.

Até tu, Brutus?

(Júlio César)

Ao dizer o “até”, Júlio César deixou pressuposta a ideia de que ele não esperava o filho envolvido em seu assassinato.

Veja a diferença entre as declarações abaixo:

- Você chegou cedo hoje!

- Até você chegou cedo hoje!

Na primeira, não está pressuposta a ideia de que você não costuma chegar cedo; na segunda, sim.

Lembro-me de um amigo de infância que, por um tempo, aderiu à dieta vegetariana. Certo dia ele me disse:

- Todo mundo me pergunta: você ainda é vegetariano? Por que as pessoas colocam esse AINDA?

Eis mais um advérbio disparador de pressuposto: se eu digo que algo ainda não aconteceu, pressuponho que vá acontecer; assim como se eu digo que algo ainda acontece, pressuponho que ele acontecia antes.

- Você não foi aprovado no concurso que queria.

- Você ainda não foi aprovado no concurso que queria.

Qual das duas você prefere?

Outro recurso linguístico que nos impõe pressupostos são as orações clivadas (já falamos sobre elas aqui no site, veja em:

https://www.provadeportugues.com.br/single-post/2018/01/29/Realce-Entenda-as-Ora%25C3%25A7%25C3%25B5es-Clivadas

- Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo aos trabalhadores registrados pela CLT.

- Foi Getúlio Vargas que instituiu o salário mínimo aos trabalhadores registrados pela CLT.

No segundo caso, está pressuposto que houve “a instituição do salário mínimo aos trabalhadores registrados pela CLT”, a declaração recai sobre quem a fez. Já no primeiro caso, a declaração é que tal instituição aconteceu.

E OS SUBENTENDIDOS?

Diferente dos pressupostos (que são ideias previamente aceitas para que a declaração seja válida no ato conversacional), os subentendidos são informações passadas a partir da declaração dada, mas não “verbalizadas”, ficando claras considerando-se o contexto em que as sentenças foram proferidas.

Veja o seguinte diálogo:

- Quem quebrou esse copo?

- Eu acabei de chegar...

Caso considerássemos apenas a literalidade da sentença “eu acabei de chegar”, não faria o menor sentido dá-la como resposta à pergunta inicial:

- Quem quebrou esse copo?

- Eu acabei de chegar...

- Não perguntei quando você chegou, perguntei quem quebrou esse copo.

Mas, ao dizer “eu acabei de chegar”, deixa-se subentendida a informação de que “se eu acabei de chegar, não fui eu quem quebrou o copo”. Veja que esta informação foi adquirida a partir da sentença dada, considerando-se o contexto de sua produção (sendo, portanto, uma ideia subentendida e não pressuposta).

Se minha filha me diz: “pai, eu estou com fome”, obviamente ela não espera que eu responda: “tudo bem, filha, obrigado por me informar que você está com fome”. Está subentendido na afirmação o pedido para que eu lhe ofereça algum alimento.

TEM UM CACHORRO NO JARDIM

Gosto muito de um exemplo dado por Gennaro Chierchia no livro “Semântica” (Editora Unicamp, 2003): qual o significado da frase “tem um cachorro no jardim”?

Imaginemos as seguintes situações:

1 – Eu estou explicando para você onde fica a minha casa e, ao dar-lhe algumas referências, digo que “tem um cachorro no jardim”.

2 – Dois bandidos vão assaltar a minha casa. O primeiro deles sobe no muro e desce rapidamente dizendo: “tem um cachorro no jardim”.

3 – Um casal de amigos vai visitar a minha casa e leva junto sua filha pequena. A menina vai até o quintal e volta com um grande sorriso no rosto, exclamando: “tem um cachorro no jardim!”

Veja os subentendidos: no primeiro caso, use a informação como referência para localizar qual é a minha casa; no segundo, a informação de que não devemos entrar nessa casa; no terceiro, um pedido para ir ao quintal brincar com o cachorro.

Uma conversa em que não levássemos em conta os subentendidos, talvez tivesse um fim semelhante ao desta cena do filme “O jogo da imitação”:

RESUMINDO:

Pressupostos são ideias anteriores à declaração, que devem ser previamente aceitas para que a informação da sentença seja válida.

Subentendidos são informações não verbalizadas, mas que surgem a partir da declaração, considerando-se o contexto de sua produção.

Espero ter deixado claro! Continue sempre por aqui! Ah, e estou esperando por você no Youtube, no Instagram, no Face... se você está comigo, não aceito menos do que ver você gabaritar a sua próxima Prova de Português!

Grande abraço e bons estudos!

Caco Penna


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